sexta-feira,
23 outubro, 2015 - 9h33
Abelhas
que cultivam fungo para sobreviver
Pesquisadores
descobriram que uma espécie de abelha sem ferrão
nativa do Brasil – a mandaguari (Scaptotrigona depilis)
– cultiva um fungo, semelhante ao usado durante séculos
por povos asiáticos para conservar alimentos, para
sobreviver
A
descoberta foi descrita em um artigo publicado na quinta-feira
(22/10) na edição on-line da revista Current
Biology e é resultado de um estudo de doutorado realizado
com Bolsa
da FAPESP.
“É o primeiro registro de simbiose entre uma
espécie de abelha social e um fungo cultivado”,
disse Cristiano Menezes, pesquisador da Embrapa Amazônia
Oriental, em Belém, no Pará, e primeiro autor
do trabalho, à Agência FAPESP.
“Embora
já se saiba que existe simbiose entre espécies
de formigas e de cupins com fungos cultivados em seus próprios
ninhos – esses microrganismos fornecem aos seus hospedeiros
nutrientes e proteção contra patógenos
–, em abelhas essa relação ainda é
desconhecida”, afirmou Menezes.
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Cristiano
Menezes |
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Pupa
de rainha com fungo ao redor |
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O
estudo integra o Projeto Temático "Biodiversidade
e uso sustentável de polinizadores, com ênfase
em abelhas Meliponini", coordenado pela professora
Vera Lucia Imperatriz-Fonseca, do Instituto Tecnológico
Vale Desenvolvimento Sustentável e do Instituto de
Biociências da USP.
Os pesquisadores constataram que, ao nascer, as larvas
da abelha mandaguari se alimentam de filamentos do fungo
do gênero Monascus (Ascomycotina) encontrados em seus
próprios ninhos.
Sem esse microrganismo – que produz diversos metabólitos
secundários com atividade antimicrobiana, antitumoral
e imunológica –, poucas larvas de mandaguari
sobrevivem, destacam os autores do estudo.
“Ainda não sabemos, exatamente, qual é
a função desse fungo para a larva. A possibilidade
que achamos mais plausível é que o microrganismo
ajuda a proteger o alimento da larva de patógenos,
uma vez que é usado por chineses e outros povos asiáticos
como corante para conservar alimentos”, afirmou Menezes.
O
estudo foi noticiado no exterior, em veículos como
a revista Newsweek.
Transmitido
por gerações
De acordo com Menezes, o fungo se origina e está
presente em uma estrutura, chamada cerume – composta
por uma mistura de cera de abelhas operárias com
resinas de plantas –, que as abelhas sem ferrão
usam como material de construção para suas
células de cria (ninhos).
Ao terminar de construir as células de cria, as
abelhas operárias enchem o invólucro de um
alimento líquido. Em seguida, a abelha rainha coloca
um ovo sobre o alimento e a célula de cria é
fechada pelas abelhas operárias e aberta somente
cerca de três dias depois, quando a larva eclode do
ovo.
Nessa fase, o fungo começa a emergir a partir do
cerume, se prolifera sobre a superfície do alimento
líquido e é devorado pelas larvas, desaparecendo
completamente até o sexto dia de nascimento das abelhas.
“Gravamos o comportamento de larvas com três
dias de nascimento e observamos que elas cortavam os filamentos
dos fungos com a mandíbula e ingeriam o microrganismo”,
disse Menezes.
Segundo o pesquisador, o fungo é transmitido a outras
gerações de abelhas mandaguari por meio de
cerume “contaminado”.
Após as larvas deixarem as células de cria,
as abelhas operárias começam a raspar o cerume
e reutilizam o material para construir um novo ninho.
Além disso, quando vão construir uma nova
colmeia, as abelhas levam o cerume da colmeia-mãe
para a colmeia-filha para construir células de cria,
transmitindo o fungo de um ninho para o outro, que só
começa a crescer em contato com o alimento larval
depositado pelas abelhas operárias.
“Também ainda não sabemos se são
esporos ou partes dormentes do próprio micélio
[hifas emaranhadas, como fios] do fungo que estão
presentes no cerume e transportados de uma célula
de cria para outra”, disse Menezes.
O pesquisador observou a mesma relação de
dependência de fungos para completar o ciclo de nascimento
em outras espécies de abelhas sem ferrão do
gênero Scaptotrigona e também de Tetragona,
Melipona e Frieseomelitta.
“Essas descoberta de simbiose entre abelhas e microrganismos
parece ser muito mais frequente do que imaginamos e aumenta
a preocupação sobre o uso de fungicidas na
agricultura”, apontou Menezes.
Estudos realizados nos últimos anos nos Estados
Unidos e Europa identificaram que os fungicidas estão
entre os pesticidas mais encontrados no pólen das
abelhas, indicou.
“A preocupação é em relação
aos efeitos que esses fungicidas podem ter sobre microrganismos
benéficos às abelhas, como o fungo identificado
no ninho de mandaguari. Se esses produtos químicos
estão presentes no pólen de abelhas, inevitavelmente
chegarão até as células de cria”,
estimou.
Descoberta
acidental
O pesquisador fez a descoberta da simbiose entre a mandaguari
e o fungo Monascus acidentalmente.
Durante sua pesquisa de doutorado em entomologia na Universidade
de São Paulo (USP), campus de Ribeirão Preto,
realizado com bolsa da FAPESP, Menezes tentou produzir em
laboratório rainhas de mandaguari com o intuito de
aumentar o número de colônias dessa espécie
polinizadora de diversas culturas para atender à
demanda dos agricultores.
Para
produzir rainhas, o pesquisador suplementou a alimentação
de larvas fêmeas de mandaguari, uma vez que o que
determina se uma larva fêmea dessa espécie
de abelha sem ferrão vai se tornar operária
ou rainha é a quantidade de alimentos que ela ingere
durante a fase larval.
Ao manter células artificiais com larvas fêmeas
de mandaguari e com grandes quantidades de alimento em uma
câmara úmida, Menezes percebeu que, após
alguns dias, um fungo branco começou a crescer rapidamente
e todas as larvas morriam.
“Em um primeiro momento eu achei que o fungo estava
causando alguma doença para as abelhas e tentei exterminá-lo,
ao aplicar produtos químicos, e removê-lo mecanicamente,
mas nada funcionou”, relembrou Menezes.
Algum tempo depois, contudo, o pesquisador começou
a observar o fungo em células de crias naturais,
crescendo de forma menos intensa. “Parecia que algo
no ambiente natural das abelhas estava mantendo o fungo
sob controle”, disse.
Ao tentar criar as larvas fêmeas da abelha em um
ambiente menos úmido, o pesquisador observou que
o fungo cresceu intensamente por alguns dias e depois desapareceu.
Com isso, mais de 90% das abelhas sobreviveram. “Suspeitei
que as larvas fêmeas estava se alimentando do fungo
e dependiam dele para sobreviver”, disse Menezes.
A fim de testar essa hipótese, os pesquisadores
realizaram experimentos em que criaram em laboratório
um grupo de larvas de abelha mandaguari suplementadas só
com alimento estéril e outro com alimento estéril
suplementado com filamentos do fungo.
O grupo de larvas de abelha criada com alimento estéril
suplementado com filamentos do fungo teve um índice
de sobrevivência de 76%.
Já as que foram criadas nas mesmas condições,
mas sem o fungo, apenas 8% completaram o ciclo de desenvolvimento.
“Isso mostra que há uma relação
de dependência muito forte das abelhas pelo fungo”,
afirmou Menezes.
Em contrapartida, para o fungo a vantagem de ser cultivado
no ninho dessa espécie de abelha sem ferrão
é garantir sua multiplicação ao longo
de gerações, ponderou o pesquisador.
“Aparentemente, o benefício maior dessa simbiose
é para as abelhas. Mas o fungo também depende
delas para se reproduzir”, avaliou.
O
artigo A brazilian social bee must cultivate fungus to survive
(doi: 10.1016/j.cub.2015.09.028), de Menezes e outros, pode
ser lido na Current Biology.
Elton
Alisson | Agência FAPESP