sexta-feira,
30 novembro, 2018 - 14h37 | INOVAÇÃO
Internet
dos animais em 2019
Diariamente,
bilhões de animais se movimentam por terra, pelo ar e pelos
oceanos, conectando as regiões mais remotas e inacessíveis
da Terra
Elton
Alisson | Agência FAPESP
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Internet
dos animais em 2019 - Consórcio internacional de pesquisa
está se preparando para iniciar ambicioso projeto de
rastreamento de todos os tipos de fluxos migratórios
de animais, em escala mundial, a partir do espaço |
foto: Instituto Max Planck de Ornitologia |
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A observação
da movimentação desses animais em tempo quase real,
contudo, é difícil hoje em razão das tecnologias
convencionais para rastreamento global de animais via satélite
excluírem cerca de 75% das aves e mamíferos, pois
a maioria deles é de pequeno porte.
Além
disso, as redes de telefonia móvel usadas para fazer o
rastreamento de animais não funcionam em muitas partes
do mundo, especialmente em regiões de terra aberta, montanhas,
florestas, desertos e mares. Já os sistemas de comunicação
direta baseados em UHF e VHF não fornecem a faixa necessária,
e os sistemas de comunicação por telefone via satélite
não podem ser miniaturizados o suficiente, dizem especialistas
na área.
A solução
para esse problema pode vir do céu. Um consórcio
internacional de pesquisa está se preparando para iniciar
a operação de um ambicioso projeto de rastreamento
de todos os tipos de fluxos migratórios de animais, em
escala mundial, a partir do espaço.
Os dados
coletados pelo projeto, batizado de Icarus (sigla de International
Cooperation for Animal Research Using Space) e liderado pelo Instituto
Max Planck de Ornitologia, em parceria com a
agência espacial russa (Roscosmos) e o Centro Espacial Alemão
(DLR), estão previstos para serem liberados para uso científico
em janeiro de 2019.
“As
informações obtidas por meio do projeto permitirão
compreender a história de vida dos animais de forma muito
melhor, identificar hot spots de biodiversidade animal ou regiões
onde essa biodiversidade tem sido perdida”, disse Daniel
Piechowski, pesquisador do Instituto Max Planck de Ornitologia
e participante do projeto em palestra na terça-feira (27/11)
no Frontiers
of Science Symposium FAPESP Max Planck, organizado
pelo Instituto Max Planck e pela FAPESP.
“Além
disso, possibilitarão compreender melhor a disseminação
de zoonoses [doenças transmitidas por animais], fazer novas
descobertas sobre mudanças climáticas e prever desastres
naturais, entre outras aplicações”, avaliou
Piechowski.
Para rastreá-los,
os pesquisadores integrantes do projeto irão implantar
nos animais minúsculos radiotransmissores, conhecidos como
tags (etiquetas), que desenvolveram ao longo dos últimos
16 anos.
As tags
são carregadas com um receptor GPS, acelerômetro
3D e sensores de temperatura, umidade, pressão, altitude
e frequência cardíaca. Dessa forma, conseguem coletar
dados sobre a aceleração, a temperatura ambiente
e a orientação dos animais em relação
ao campo magnético da Terra e registrar suas rotas.
Os dispositivos
também são equipados com painéis solares
e baterias recarregáveis, com o intuito de operarem em
modo econômico de baixa energia.
As tags
de geolocalização existentes hoje, que estão
implantados nos animais, queimam muita energia transmitindo dados
por meio de redes de telefonia celular ou sistemas de satélite,
explicou Piechowski.
“As
tags desenvolvidas no projeto usam um esquema especial de codificação
de acesso múltiplo por divisão de código
[CDMA, na sigla em inglês] para se comunicar com satélites,
usando muito pouca energia”, disse.
Os menores
dispositivos pesam 2,5 gramas, mas os pesquisadores pretendem
diminuir ainda mais o peso e o tamanho deles de forma que seja
possível implantá-los em abelhas e gafanhotos, por
exemplo.
“O
ideal é que os dispositivos ligados aos animais não
tenham peso superior a 3% da massa corporal deles, de modo a não
afetar seu comportamento natural”, explicou Piechowski.
Os dados
coletados pelos sensores das tags de geolocalização
são captados por três antenas receptoras, de 200
quilos cada, enviadas para a Estação Espacial Internacional
(ISS) em um foguete Soyuz, em fevereiro de 2017, e instaladas
em agosto deste ano. As antenas juntaram-se a um computador, também
enviado à ISS em outubro de 2017, que funcionará
como o “cérebro” do projeto.
Ao entrarem
no feixe da ISS – o que acontece, aproximadamente, quatro
vezes ao dia –, os transmissores implantados nos animais
recebem um sinal do computador em órbita para serem ativados.
A partir desse momento, eles têm dois segundos para enviar
os dados coletados para as antenas receptoras.
O computador
a bordo da ISS separa, analisa, limpa os dados e os retransmite
para uma estação terrestre. Todos os dados –
exceto os mais sensíveis para a conservação
de espécies, como a localização de rinocerontes
– serão publicados em um banco de dados on-line de
código aberto desenvolvido pela equipe do projeto: o Movebank.
“Em
suma, o projeto é uma internet das coisas, via satélite,
ou “internet dos animais”, que permitirá conectá-los
com os humanos, avaliou Piechowski.
Até
o início de 2019, o projeto contará com 1.000 transmissores
em campo. Os pesquisadores pretendem, porém, aumentar esse
número para 100.000 em um curto período de tempo.
Combate
de epidemias globais
A expectativa
do consórcio é que o conhecimento sobre a movimentação
dos animais em diferentes partes da Terra e as maneiras pelas
quais eles interagem com os humanos ajude no combate das epidemias
globais, por exemplo.
Aproximadamente
70% das epidemias globais, como a SARS (Síndrome Respiratória
Aguda Grave), o vírus do Nilo Ocidental e a gripe aviária,
originam-se como zoonoses, provocadas pela interação
entre os animais e os seres humanos. Dados globais sobre movimentação
de animais, em rede internacional, ajudariam a prever a ocorrência
de surtos dessas doenças e proteger a saúde humana,
avaliam os pesquisadores.
Para isso,
porém, é preciso obter respostas para questões
fundamentais, como a localização de um animal em
qualquer ponto de sua vida, qual seu estado interno, que atividade
está realizando e quais as razões de sua morte –
o que ajudaria a protegê-los.
“Nenhuma
dessas questões fundamentais foi suficientemente respondida
para animais que vivem na natureza em períodos de médio
ou longo prazo, especialmente para aqueles pequenos, que são
de suma importância para a humanidade, como aves e morcegos,
porque são disseminadores de doenças”, afirmou
Piechowski.
O rastreamento
da movimentação dos animais também poderia
ajudar a prever pragas agrícolas e desastres geológicos,
como terremotos, erupções vulcânicas e tsunamis,
apontaram os pesquisadores.
No caminho
para o sul, por exemplo, as cegonhas geralmente descansam nas
proximidades de criadouros de gafanhotos na borda sul do Saara.
Dessa forma, esses pássaros indicam, exatamente, onde esses
enxames de insetos estão e para onde poderiam migrar.
E em testes
do sistema em campo, equipando animais maiores com as tags e coletando
dados via uma antena terrestre, os pesquisadores alemães
foram capazes de prever erupções do Monte Etna,
na Itália, com seis horas de antecedência, observando
padrões de movimento de cabras nas encostas do vulcão.
“Sabemos
que espécies de animais como elefantes também são
capazes de prever terremotos. Podemos estudar o comportamento
desses e outros animais para prever desastres naturais e avaliar
os impactos das mudanças climáticas e do desmatamento
de florestas, por exemplo, com maior acurácia”, disse
Piechowski.
Cooperação
Brasil-Alemanha
Realizado
pela primeira vez no Brasil, o Frontiers of Science Symposium
FAPESP Max Planck, que aconteceu nos dias 27 e 28/11, em São
Paulo, teve o objetivo de estimular a colaboração
em pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico
entre pesquisadores do Estado de São Paulo e dos Institutos
Max Planck, fomentando a cooperação bilateral em
diversas áreas.
“Esse
simpósio representa uma grande oportunidade para a FAPESP
aumentar a cooperação em pesquisa com a Sociedade
Max Planck, com a qual mantemos um acordo que tem sido muito efetivo.
Já lançamos duas chamadas de propostas voltadas
à seleção de projetos de jovens pesquisadores”,
disse Eduardo Moacyr Krieger, vice-presidente da FAPESP, na abertura
do evento.
Antes
de São Paulo, o evento aconteceu em Valparaíso,
no Chile, em Buenos Aires, na Argentina, e na Cidade do México.
A próxima edição do evento está prevista
para ocorrer em Havana, em Cuba.
“A
Sociedade Max Planck tem tradição de se envolver
em colaborações internacionais em pesquisa. Os projetos
que apoiamos no Brasil em parceria com agências de fomento
à pesquisa, como a FAPESP, têm sido muito bem sucedidos”,
avaliou Hajo Freund, representante da Sociedade Max Planck.