Cruzes
e raiva
A placa
de 30 quilômetros por hora, em meio a casas destruídas
e mato crescido em Bento Rodrigues, na cidade mineira de Mariana,
recorda a tranquilidade do distrito de outrora. O topo do morro
ainda guarda a histórica igreja de Nossa Senhora das Mercês
intocada, o único vestígio de alegria que os moradores
sempre citam ao contar sobre o local antes que a lama da mineradora
Samarco soterrasse a tranquilidade da região.
O sentimento
estampado nas ruínas agora é outro: raiva, nas pichações
feitas na parede da Escola Municipal de Bento Rodrigues contra
a Samarco. Dor, na encruzilhada cercada de cruzes de madeira instaladas
pelos moradores, onde também foi colocada uma placa nova
em folha, com uma mensagem tardia: orientações de
emergência para o caso de um desastre.
O que
restou da histórica capela de São Bento, de 1718,
está embaixo de um galpão, ao lado das ruínas
do Bar da Sandra, famoso para os que faziam turismo na região.
As casas que não foram atingidas pela lama acabaram condenadas
pela Defesa Civil e tiveram janelas, portas e outros itens saqueados
ou retirados pelos moradores. Mas as maiores cicatrizes da tragédia
são os cinco mortos do vilarejo – quatro moradores
e uma visitante.
Expedito
Lucas da Silva, de 47 anos, é a pessoa da comunidade que
vai com mais frequência até lá. Na mente,
ainda consegue rever um tempo em que a população
era unida, como uma família. “Todos que morreram
em Bento, eu conhecia. A Emanuely [Vitória, de 5 anos],
que estudava com minha menina. Todos eram conhecidos, eu ia na
casa deles. É muito forte”, conta.
Desde
então, os atingidos se mudaram para casas mobiliadas e
alugadas pela Samarco, até que as vítimas sejam
reassentadas em novos vilarejos. São 362 famílias
de Bento Rodrigues e Paracatu, distritos de Mariana, e Gesteira,
de Barra Longa. O choque cultural e a separação
da vizinhança gerou sofrimento para os moradores.
“Sinto
tristeza em ver as pessoas tristes, as crianças, os mais
velhos. Como se tivesse aprisionado. Você é acostumado
em lugar pequeno, conhece todo mundo, tem amizade, conversa com
todo mundo. Hoje tá um para cada canto. O mundo não
consegue ver isso, esse sentimento que traz. Às vezes,
vê pela parte do dinheiro, porque você tá recebendo
um auxílio financeiro, mas não é tudo. Tem
coisa que vai além do dinheiro”, diz Expedito.
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Ruínas de Gesteira, no distrito de Barra Longa, dois
anos após a tragédia do rompimento da Barragem
de Fundão, da mineradora Samarco | José Cruz/Agência
Brasil |
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Em Gesteira,
distrito de Barra Longa, a destruição atingiu 20
famílias, a capela de Nossa Senhora da Conceição,
inaugurada em 1891, e a escola municipal da comunidade. A terra
brilha em volta do local soterrado, sinal do minério de
ferro presente em abundância no rejeito da Samarco. Da escola
resta pouco mais da metade superior do prédio. O resto
está embaixo da lama, já seca.
A igreja
está envolta por tapumes, mas ainda é possível
ver até onde chegou o rejeito. Foi necessário um
ano para conseguir entrar no templo católico, já
que todo o entorno também estava soterrado. A ponte da
comunidade – parte dela, construída no alto, permaneceu
inalterada – havia caído depois que um caminhão
passou arrastado pela lama, mas uma nova estrutura já está
de pé.
Obras
de novos distritos
A Fundação
Renova, financiada pela Samarco e orientada por um comitê
de órgãos públicos e sociedade civil, é
responsável por reassentar os atingidos. Foi estabelecido
um cronograma para reconstrução das vilas, que foram
planejadas junto com as comunidades, para que tenham a mesma organização
de vizinhança e espaços públicos. Mas o processo
de licenciamento ambiental para construção ainda
não foi pedido. O último terreno a ser adquirido,
para abrigar os atingidos de Gesteira, ainda está em negociação.
“Eles
cometeram uma série de erros nos projetos de reassentamento
de Bento Rodrigues, atrasando todo o processo. Têm outros
problemas em relação ao de Paracatu, que também
está atrasado, tanto é que, neste momento, quase
dois anos do desastre, deveriam estar sendo iniciadas as obras”,
afirma o promotor do Ministério Público de Minas
Gerais, Guilherme Meneghin. Ele já prepara um pedido judicial
para que seja aplicada sanção caso as empresas não
cumpram com o prazo de entrega.
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Diretora de desenvolvimento institucional da Fundação
Renova, Andrea Azevedo, fala sobre as ações
desenvolvidas pela fundação, após o rompimento
da Barragem de Fundão | José Cruz/Agência
Brasil |
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Segundo
a Renova, a falha no projeto de Bento Rodrigues foi o aclive maior
que o permitido, de cerca de 4% do território, o que exigiu
a remodelagem do projeto. Foram feitas duas opções,
que devem ser apresentadas para a comunidade. O projeto de Paracatu
também não está pronto – a fundação
informou que está em fase final de elaboração.
A diretora
de Desenvolvimento Institucional da Renova, Andrea Azevedo, afirmou
que a construção dos novos distritos ainda não
ocorreu porque são projetos mais complexos que um conjunto
habitacional padrão, como o Minha Casa Minha Vida. “O
processo está correndo com a ajuda de toda a comunidade,
então isso faz com que tenham várias discussões,
para que tenha o melhor desenho urbanístico”.
A previsão
é entrar com o pedido de licenciamento no fim do ano. “O
início da construção será no primeiro
semestre de 2018 e a finalização, como previsto,
será no primeiro semestre de 2019. Todos os esforços
de contratação para 24 horas de obras vão
ser feitos para que não haja nenhum atraso no prazo final”,
garante Azevedo.
Barra
Longa
Ao contrário
dos distritos que vão ser reconstruídos em outro
terreno, a sede do município de Barra Longa permaneceu
na área atingida. Horas depois do rompimento da barragem,
já depois de 23h, a lama saiu do Rio Gualaxo do Norte e
seguiu pelo Rio do Carmo, tomando a praça da cidade, adentrando
em residências, comércios e no histórico Hotel
Xavier.
Depois
da tragédia, foram retirados de Barra Longa 157 mil metros
cúbicos de rejeito, o que, segundo a líder de Manejo
de Rejeito da Renova, Juliana Bedoya, é equivalente ao
carregamento 7 mil caminhões caçamba.
A cidade
foi quase toda reconstruída pela Fundação
Renova. Parte do rejeito foi usado no parque de exposições,
no campo de futebol e em bloquetes de calçamento. Ainda
falta terminar o parque de exposições, a reforma
do campo do time de futebol Barralonguense, e fazer reparos em
cerca de 30 residências para fazer reparos, no tombado Hotel
Xavier, e em cerca de 100 quintais.
A cidade,
no entanto, já sofria com outro problema antes da chegada
da lama: enchentes periódicas. Questionada sobre o motivo
de não terem pensado nessa questão para mudar a
área atingida para um local mais alto, que deixasse de
viver as cheias, a responsável pelas infraestruturas dos
municípios atingidos da Renova, Patrícia Lois, disse
que não compete à Renova esse planejamento, mas
ao poder público.