sábado,
24 fevereiro, 2018 - 13h03 | SAÚDE
Mudanças
climáticas e doenças transmitidas por mosquitos
O
aumento da temperatura média do planeta, induzido principalmente
pela emissão de gases de efeito estufa, deve contribuir
para ampliar, no Brasil, a área de distribuição
de quatro vírus transmitidos por mosquitos: o Oropouche
(OROV), o Mayaro (MAYV), o Rocio (ROCV) e o vírus da encefalite
de Saint Louis (SLEV)
Karina
Toledo | Agência FAPESP
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Mudanças
climáticas e doenças transmitidas por mosquitos
- Por meio de modelos matemáticos, cientistas estimam
como será, até o fim do século, a área
de distribuição de quatro arbovírus:
Oropouche, Mayaro, Rocio e vírus da encefalite de Saint
Louis (foto: Thomas Brown / Wikimedia) |
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A conclusão
é de um estudo publicado na revista PLoS Neglected Tropical
Diseases. O trabalho foi realizado no Instituto Butantan durante
o doutorado de Camila Lorenz, com apoio da FAPESP e orientação
de Lincoln Suesdek, do Departamento de Parasitologia. Também
participaram os pesquisadores Flávia Virginio, Thiago Salomão,
Breno Aguiar e Francisco Chiaravalloti-Neto, da Faculdade de Saúde
Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP).
“Levantamos
todos os surtos dessas arboviroses ocorridos no país desde
a década de 1960 e avaliamos como eles se relacionavam
com diferentes fatores ambientais. Com base nos resultados, modelamos
a distribuição das doenças até 2100.
Os dados mostram que a área de distribuição
dos quatro arbovírus deve aumentar nos próximos
anos em função, principalmente, da temperatura”,
disse Lorenz à Agência FAPESP.
Ao todo,
sete fatores ambientais foram considerados na análise multivariada:
precipitação anual (o quanto chove ao longo do ano
na região em que ocorreu o surto), média de temperatura
anual, elevação (altitude), sazonalidade da temperatura
(variação entre os meses mais quentes e mais frios
do ano), sazonalidade da precipitação (variação
entre os meses mais chuvosos e os mais secos), amplitude térmica
(variação da temperatura ao longo do mês)
e variação diária da temperatura.
De acordo
com Lorenz, os resultados sugerem que cada vírus é
afetado de forma diferente pelas variáveis ambientais.
No caso do Oropouche e do Mayaro, por exemplo, os fatores que
se mostraram mais associados à ocorrência de surtos
foram a média anual da temperatura e a amplitude térmica.
Ambos os vírus mostraram características semelhantes
e se distribuem principalmente na região Norte do país.
Já para Saint Louis e Rocio a precipitação
anual teve mais peso – quanto mais alta a média anual
de chuva, maior o número de surtos.
“Embora
fracionada em diferentes variáveis, a temperatura esteve
de algum modo presente em todos os casos. A precipitação
também apresentou alguma contribuição para
a ocorrência dos surtos, já que a presença
de água é necessária para a reprodução
dos mosquitos”, disse a pesquisadora.
A variável
altitude, segundo Lorenz, teve mais influência apenas sobre
a distribuição do vírus Rocio. Um grande
surto causado pelo patógeno foi registrado no Vale do Ribeira,
região de baixa altitude no sul do Estado de São
Paulo, por volta de 1975.
“Já
existe a noção de que a temperatura é um
fator importante para as doenças tropicais, mas, por mais
que o senso comum aponte para uma direção, só
temos segurança científica por meio de experimentos
ou validação estatística. E observamos que,
como os vírus têm características diferentes,
ciclos de vida diferentes dentro e fora do hospedeiro, não
são influenciados da mesma maneira pelos fatores ambientais.
Este estudo dá diretrizes para o refinamento das estratégias
de detecção e de controle dessas doenças”,
disse Suesdek.
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Mudanças
climáticas e doenças transmitidas por mosquitos
- Na coluna da esquerda, os mapas mostram a distribuição
atual dos quatro arbovírus; ao centro, como será
em um cenário de baixa emissão até 2100
e, à direita, em um cenário de alta emissão |
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Clima
futuro
Além
de mapear as características físicas de todos os
locais em que ocorreram surtos dessas quatro arboviroses nos últimos
55 anos, os pesquisadores também analisaram os registros
climáticos existentes desde a década de 1960 e observaram
que a temperatura média no país vem aumentando nos
últimos anos, principalmente na região Norte.
Em seguida,
por meio de modelos matemáticos, o grupo estimou como seria
a distribuição dos quatro vírus até
o fim deste século. Foram considerados dois cenários
climáticos projetados por especialistas do Painel Intergovernamental
sobre Mudanças Climáticas, da Organização
das Nações Unidas (IPCC).
No primeiro,
de baixa emissão de gases-estufa, ocorreria um aumento
médio de 1º C na temperatura do planeta até
2100. Já no cenário de alta emissão, o aumento
ultrapassaria os 2º C considerados seguros pelos especialistas
em clima.
O trabalho
de modelagem foi realizado por Thiago Azevedo, do Departamento
de Geografia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Rio
Claro.
Considerando
os diferentes cenários, ele calculou a ampliação
da área de risco para cada capital brasileira.
No caso
da cidade de São Paulo, por exemplo, a região suscetível
ao vírus Mayaro saltaria dos 4% atuais para 12% em 2050
e quase 20% em 2100 em um cenário de alta emissão.
Em relação ao Rocio, o número passaria de
aproximadamente 1% da área do município para 2,5%
em 2050 e quase 4% em 2100, também no pior cenário
climático.
Em Campo
Grande (MS), a área de risco para Mayaro passaria de 23,8%
para 83,6% no pior cenário. Em Brasília (DF), o
número passaria de 10% para mais de 57%. Em Belo Horizonte
(MG), saltaria de 14,8% para 65% e, no Rio de Janeiro (RJ), de
21,4% para quase 55%.
O maior
aumento na área de distribuição do Rocio
foi previsto para Porto Alegre (RS). Atualmente, menos de 9% do
município é considerado área de risco. Em
2100, no cenário de alta emissão, o índice
chegaria a 57,3%.
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Mudanças
climáticas e doenças transmitidas por mosquitos
- O trabalho de modelagem realizado por Thiago
Azevedo calculou a ampliação da área
de risco para cada capital brasileira |
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“No
caso do Mayaro e do Oropouche, vemos dois cenários futuros
bem diferentes do atual – seja com baixa ou com alta emissão
de gases. Já para Saint Louis e Rocio a diferença
não é tão gritante. Mas mesmo um aumento
pequeno é importante, pois são doenças pouco
conhecidas e contra as quais não temos vacinas”,
avaliou Suesdek.
Para o
pesquisador, as quatro doenças estudadas apresentam significativo
potencial de causar danos à saúde pública
e podem ser consideradas negligenciadas. Todas têm como
principal sintoma febre aguda e intensa. Por serem facilmente
confundidas com dengue ou malária, especialistas acreditam
que a subnotificação seja grande. Não existem
testes sorológicos para diagnóstico (aqueles que
detectam os anticorpos contra o vírus no sangue de pacientes)
e os exames moleculares são caros e pouco acessíveis.
O artigo
Impact
of environmental factors on neglected emerging arboviral diseases
(doi: https://doi.org/10.1371/journal.pntd.0005959), de Camila
Lorenz , Thiago S. Azevedo, Flávia Virginio, Breno S. Aguiar,
Francisco Chiaravalloti-Neto e Lincoln Suesdek.