terça-feira,
26 junho, 2018 - 7h07 | ENERGIA
Novo
material pode revolucionar geração de energia solar
Após
o isolamento do grafeno, em 2004, iniciou-se uma corrida para
se conseguir sintetizar novos materiais bidimensionais –
como são chamados materiais com espessura de um átomo
até alguns poucos nanômetros (da bilionésima
parte do metro). Tais materiais possuem propriedades únicas
ligadas à sua dimensionalidade e podem ser protagonistas
do desenvolvimento da nanotecnologia e da nanoengenharia
Elton
Alisson | Agência FAPESP
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Novo
material pode revolucionar geração de energia
solar - Grupo internacional, com participação
de pesquisadores da Unicamp, obtém novo material a
partir de minério de ferro com aplicação
como fotocatalisador | divulgação |
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Um grupo
internacional, com a participação de pesquisadores
vinculados à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),
conseguiu dar origem a um novo material com essas características.
Os cientistas
conseguiram extrair de um minério de ferro comum, como
os explorados por muitas mineradoras no Brasil, um material chamado
hemateno, que tem três átomos de espessura e propriedades
fotocatalíticas incomuns.
O novo
material foi descrito em um artigo publicado na revista Nature
Nanotechnology. A pesquisa foi feita no Centro de Engenharia e
Ciências Computacionais (CECC) – um dos Centros de
Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) apoiados
pela FAPESP – e em um estágio de pesquisa no exterior,
realizado também com Bolsa da FAPESP.
“O
material que sintetizamos pode atuar como fotocatalisador –
para dividir a água em hidrogênio e oxigênio
– e permitir a geração de energia elétrica
a partir de hidrogênio, por exemplo, além de ter
diversas outras aplicações”, disse Douglas
Soares Galvão, pesquisador do CECC e um dos autores do
estudo, à Agência FAPESP.
O novo
material foi extraído da hematita – mineral que é
a principal fonte de ferro e o mais comum, barato e importante
dos metais, usado em vários produtos, principalmente ao
ser transformado em aço.
Ao contrário
do carbono e de sua forma bidimensional (grafeno), a hematita
é um material não van der Waals, como se chamam
aqueles mantidos unidos por redes de ligações tridimensionais,
em vez de interações atômicas não covalentes
– em que não há compartilhamento de um ou
mais pares de elétrons entre os átomos participantes
na ligação – e, comparativamente, mais fracas
do que as dos materiais van der Waals.
Por ser
um mineral que ocorre naturalmente, ser um material não
van der Waals e ter cristais grandes e altamente orientados, os
pesquisadores levantaram a hipótese de que a hematita poderia
atuar como um excelente precursor para obtenção
de um novo material bidimensional não van der Waals.
“A
maioria dos materiais bidimensionais sintetizados até hoje
foi derivada de amostras de sólidos de van der Waals. Materiais
bidimensionais não van der Waals, com camadas atômicas
altamente ordenadas e grãos grandes, ainda são raros”,
disse Galvão.
A fim
de obter a partir da hematita um material com tais características
– o hemateno –, os pesquisadores utilizaram a técnica
de esfoliação líquida em um solvente orgânico,
a N-dimetilformamida (DMF). Por meio de microscopia eletrônica
de transmissão, eles conseguiram confirmar a esfoliação
e a formação do hemateno em folhas soltas de três
átomos de ferro e de oxigênio (monocamada) e em folhas
soltas empilhadas aleatoriamente (bicamada).
Com ensaios
e cálculos matemáticos foram estudadas as propriedades
magnéticas do hemateno. Por meio desses cálculos
e testes, os pesquisadores descobriram que as propriedades magnéticas
do hemateno diferem daquelas da hematita.
Enquanto
a hematita é tipicamente antiferromagnética –
seus dipolos magnéticos estão dispostos antiparalelamente
–, os testes mostraram que o hemateno é ferromagnético,
como um ímã comum.
“Nos
ferromagnetos, os momentos magnéticos dos átomos
apontam na mesma direção. Nos antiferromagnetos,
os momentos nos átomos adjacentes se alternam”, explicou
Galvão.
Fotocatalisador
eficiente
Os pesquisadores
também avaliaram as propriedades fotocatalíticas
– de aumentar a velocidade de uma fotorreação
pela ação de um catalisador – do hemateno.
Os resultados das análises também demonstraram que
a fotocatálise do hemateno é mais eficiente do que
a da hematita, que já era conhecida por ter propriedades
fotocatalíticas, mas não suficientemente boas para
serem úteis.
Para um
material ser um eficiente fotocatalisador, ele deve absorver a
parte visível da luz solar, por exemplo, gerar cargas elétricas
e transportá-las à superfície do material
de modo a realizar a reação desejada.
A hematita,
por exemplo, absorve a luz do sol da região ultravioleta
à amarelo-alaranjada, mas as cargas produzidas são
de vida muito curta. Como resultado, elas se extinguem antes de
chegar à superfície.
Já
a fotocatálise do hemateno é mais eficiente, uma
vez que os fótons geram cargas negativas e positivas dentro
de poucos átomos da superfície, compararam os pesquisadores.
E, ao emparelhar o novo material com matrizes de nanotubos de
dióxido de titânio – que fornecem um caminho
fácil para os elétrons deixarem o hemateno –,
eles descobriram que poderiam permitir que mais luz visível
fosse absorvida.
“O
hemateno pode ser um eficiente fotocatalisador, especialmente
para dividir a água em hidrogênio e oxigênio,
mas também pode servir como um material magnético
ultrafino para dispositivos baseados em spintrônica [ou
magnetoeletrônica]”, disse Galvão.
O grupo
tem investigado outros materiais não van der Waals por
seu potencial para dar origem a outros materiais bidimensionais
com propriedades exóticas. “Há uma série
de outros óxidos de ferro e seus derivados que são
candidatos a dar origem a novos materiais bidimensionais”,
disse Galvão.
O artigo
Exfoliation of a non-van der Waals material from iron
ore hematite (doi: 10.1038/s41565-018-0134-y), de Pulickel
M. Ajayan e outros, pode ser lido na revista Nature
Nanotechnology.